Levantamento do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) identificou que ao menos 18.383 alunos dos programas de bolsa de estudos Universidade Gratuita e Fundo Estadual de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior Catarinense (Fumdesc) estão matriculados sob algum indício de irregularidade. Foi possível apurar que essas inconsistências podem indicar o valor em risco de R$ 324 milhões. Os números foram apresentados na sessão desta quarta-feira (11/6), pelo conselheiro substituto Gerson dos Santos Sicca, relator temático da Educação no TCE/SC.
Dados levantados pelo Tribunal mostram que há 4.430 casos de renda incompatível com as exigências dos programas de concessão de bolsas e 15.281 divergências em relação ao patrimônio declarado. Há ainda 1.699 casos de vínculos empregatícios não comprovados e 335 casos de pessoas que não são naturais de Santa Catarina ou que não moram no Estado. “Importante alertar aqui que não se está a tecer uma crítica aos programas, e sim uma constatação útil para que se impeçam erros de interpretação sobre os objetivos da política pública estabelecida. A clareza sobre os objetivos da política pública é determinante para a fixação de bons critérios de seleção, que evitem injustiças, assegurem o atendimento da população alvo e minimizem os riscos de fraudes”, disse o relator em seu voto.
As informações obtidas tratam de 34.254 mil inscritos nos dois programas, no primeiro e no segundo semestre de 2024, constantes nos cadastros da Secretaria de Estado da Educação (SED). Foram realizados cruzamentos de dados para apurar informações complementares à análise, as quais visam a dar subsídios a um melhor delineamento da real situação econômica dos alunos beneficiados, assim como auxiliar nos critérios e processos de seleção dos programas.
“Quando este índice é obtido por meio da alimentação que não corresponda à realidade dos fatos, pode, de fato, gerar estas situações em que aqueles que têm maior grau de carência não alcançam a possibilidade de frequentar e de receber o benefício desse programa e acabam ficando fora, em detrimento de outros que, em condições e a possibilidade de fazer frente ao pagamento dessa mensalidade, acabam tendo uma vantagem indevida. Caminhamos para refinar, agora, e buscar a confirmação desses indícios, e aí, sim, se confirmado, nós teremos a responsabilização desses atores que praticaram essa possível conduta condenável sob todos os aspectos”, afirmou o presidente do TCE/SC, conselheiro Herneus De Nadal. O presidente indica que as ações devam seguir linha de trabalho em conjunto com a Secretaria da Educação, a Controladoria-Geral do Estado, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e a Receita Federal.
O diretor-geral de Controle Externo, Sidney Tavares Júnior, que apresentou os dados antes da leitura do voto do relator, reforçou a importância dos mecanismos de fiscalização contínua por parte do Estado. “É preciso haver garantias de que haja controle pleno sobre as regras e que os alunos efetivamente matriculados estejam cumprindo os requisitos necessários, e não tirando o lugar de um outro estudante elegível à bolsa.” Os casos mais relevantes levantados pelo TCE/SC serão encaminhados ao MPSC para que sejam apuradas as irregularidades.
Melhorias dos mecanismos de concessão e controle
O TCE/SC também avalia, em outros processos, os mecanismos de controle por parte do Governo do Estado e das instituições de ensino. O Tribunal analisou, em 2024, 131 cursos de 174 polos pertencentes a 59 instituições. Pelo processo @RLA 2400542702, já se verifica os controles adotados pela Secretaria de Estado da Educação e pelas instituições de ensino superior beneficiárias na seleção dos estudantes para a concessão das bolsas.
Ao acompanhar o voto do relator, o conselheiro vice-presidente do TCE/SC, José Nei Ascari, disse que “os indícios iniciais de irregularidades não se restringem apenas aos alunos que, eventualmente, fraudaram o processo de concessão do benefício ou falsificaram documentos, o que, por si só já é extremamente grave e certamente demandará responsabilizações futuras, seja por parte do TCE/SC ou de outros órgãos de controle, que, inclusive, já anunciaram a disposição de atuar sobre essa matéria, mas parece igualmente claro que há falhas no próprio processo de concessão e de fiscalização, atribuídas tanto às instituições educacionais quanto às estruturas do governo.”
Na justificativa de seu voto, o conselheiro Aderson Flores reforçou que o principal ponto de discussão nesse processo é o cálculo do índice de carência para os beneficiários, o que remete à necessidade de aprimoramento dos filtros istrativos utilizados na concessão do benefício. “Essa melhoria exigirá ações tanto do Poder Legislativo quanto do Executivo estadual, especialmente da Secretaria de Educação. Tenho certeza de que o voto do conselheiro Gerson Sicca já oferece uma gama de subsídios importantes para que essas melhorias aconteçam. A grande utilidade do trabalho do Tribunal, nesse caso, é justamente fornecer dados e subsídios para que o Poder Executivo possa agir e aperfeiçoar o programa”, comentou Flores.
“De fato, embora constatado um número significativo de inconsistências, a melhor providência do Tribunal é trazer um dado real acerca do programa, sem prejuízo das apurações individualizadas que se seguirão. Uma situação muito semelhante aconteceu com o Bolsa-Família em 2023, quando o TCU [Tribunal de Contas da União] fez uma apuração no Cadastro Único. O que se vê nessas políticas públicas relacionadas à concessão de benefícios é a questão da fiscalização e do monitoramento, que têm que ser constantes, até como auxílio ao Poder Executivo, que, com certeza, tem interesse em sugestões para aprimorar aquele sistema”, manifestou o conselheiro substituto Cleber Muniz Gavi, ao acompanhar o voto do relator. Alguns casos identificados.
Alguns casos identificados:
– Aluno pertencente a grupo familiar proprietário de carro de luxo avaliado em R$ 600 mil;
– Aluno pertencente a grupo familiar proprietário de carro de luxo avaliado em R$ 547 mil;
– Aluno pertencente a grupo familiar proprietário de carro de luxo avaliado em R$ 735 mil;
– Alunos pertencentes a sete grupos familiares com empresas de capital social entre R$ 10 milhões e R$ 21 milhões;
– Aluno pertencente a grupo familiar com imóvel avaliado em R$ 30 milhões;
– Aluno pertencente a grupo familiar com imóvel avaliado em R$ 29 milhões;
– Alunos com grupos familiares donos de lanchas e motos aquáticas com preços variando entre R$ 80 mil e R$ 202 mil.